quinta-feira, 4 de dezembro de 2014

Preguiça



Hoje acordei com a chuva
E a fresta da janela me dizia
Lá fora o mundo não é p'ra mim
Deixei-me estar na cama vazia

Sem conseguir me levantar
Rolei, voltei a adormecer
Tentei por tudo voltar a sonhar
Aquele sonho que não realizei

Deixa estar, lá fora está feio
E se é preciso levantar
Fica hoje o sonho pelo meio
Amanhã há de se realizar

Mateus Medina
30/10/2014

terça-feira, 25 de novembro de 2014

O paradoxo da obra-prima

 Dora Maar au Chat (Pablo Pacasso)


 Quero imortalizar-te nos meus versos,
Petulante poeta que me digo
Em verdade, apenas réu confesso
Culpado do desejo mais antigo

Finjo, sem que a culpa me atormente
Traduzir tua beleza em pobres rimas
Num ato de egoísmo inconsequente
O poeta persegue a obra-prima

 Rendo-me a impossibilidade
De espelhar em parvos poemas
O que és por inteiro; a verdade
Ante a beleza, a letra é pequena

Mateus Medina
24/11/2014

quarta-feira, 12 de novembro de 2014

Não há vida sem poesia

 

A poesia é maior do que a vida,
Maior que tu e eu, minha querida
Porque a vida um dia acaba, acredite
Mas esse mundo sem poesia, não se admite

Deixe que a vida se esvaia - quando for a hora
Ninguém pode deter a mão que esmaga
A inconfundível luz do sol na aurora
Ninguém impede que a poesia traga

Enquanto a vida durar que se semeie
Todo riso, todo amor, toda magia
Porque a vida está sempre por um triz
E quando acaba vira poesia

Mateus Medina
12/11/2014





terça-feira, 4 de novembro de 2014

Lutar pela curiosidade



Tens que lutar, meu amigo. Lutar.
Há um monstro em cada esquina, eu sei
Tens pouco com o que te defender?
É o que há,
Ser criativo.
Lutar.

Diariamente, meu amigo, é assim
É violento e injusto? Não sei.
Tudo o que sei é que a estrada
Não te leva onde queres chegar
A estrada é um meio, mais nada
Tens que lutar, meu amigo
Correr

O que é que há no fim do caminho?
Ora, fazes tão boa pergunta
A resposta desconheço, amigo
O que sei é que se não deres luta
O que hoje sabes é tudo que saberás
Tens que lutar, meu amigo. Lutar.
Apenas por curiosidade. 

Mateus Medina
30/10/2014


segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Meu aconchego



Serei sempre um sem rumo, sem casa
Não tenho norte, mas tenho sorte
Sem raízes, sou livre de percorrer
Os caminhos que jamais conhecerás

Não são as correntes no teu calcanhar
Que impedem que caminhes por aí
É a tua alma, acanhada e insegura
Que odeia ficar, mas teme partir

O meu cantinho, meu aconchego
Não tem nome, não é um lugar
O silêncio que aniquila o meu medo
Está nos braços de quem sabe me amar

Mateus Medina
20/10/2014

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Bença voinha



Então, minha véia foi simbora
Não de repente. Não sem aviso.
O trem das sete já vinha chegando
E ao longe se ouvia o seu apito

Em alguns momentos acreditei
Que estaria preparado para a hora
O trem partiu, minha véia se foi
Enganado, me pergunto: "e agora?"

É um mundo estranho - esse que fica
Sem o alicerce de todos nós,
Sem a segurança da sua bênça
Que intransponível nos cobria
Perdôe o egoísmo que me move
Mas preciso pedir: Bença, voinha?

Mateus Medina
06/10/2014


terça-feira, 15 de abril de 2014

Pela própria bala




De tantas, restou-me uma
Solitária, inerte e fria
Acaricio-lhe, olhos fechados
Tentando recordar a sensação
Do peito que acelerado ardia
Quando mais um tombava,
Quando mais um caía,
E de mim a humanidade escapava

Já sabia, quando escolhi ficar
Que iria chegar o momento
Do choro arrastado e lento,
Do cheiro desagradável...
Carne perfurada, alma que arde
Serei valente? Serei covarde?
Talvez nunca se saiba,
Talvez a bala não caiba

Restará o meu corpo jogado,
O julgamento caído por perto
Morto pela própria bala
Terei agido errado ou certo?
Uma vida por tantas outras
Em frente, seguiu o batalhão
Hão de adornar com inútil medalha
O desconhecido corpo no caixão

Mateus Medina
27/07/2013

sexta-feira, 28 de março de 2014

Olhos negros



Matar nunca foi um desejo,
Uma vontade nascida da neblina
Ou mesmo escolha, fruto do ensejo
Fui impelido pelos olhos da menina

Disse-me ela, num primeiro olhar:
"Alimenta-me do pesar alheio"
Desde então, tenho vindo a sangrar
Um qualquer que não veja ao espelho

À noite ela sussurra baixinho
Em tons de loucura contida
"Dá-me mais, mais um pouquinho!"
Então saio, e ceifo outra vida

Sua voz não me causa tormento,
Não me amedronta, nem me incomoda
Em verdade, se ausente um tempo
É a saudade quem invade a porta

Fala-me, menina de olhos negros
Diz-me um nome, e dar-te-ei essa alma
Conta-me o teu mais triste segredo
Só o som da tua voz me acalma

Mateus Medina
28/03/2014





sexta-feira, 7 de março de 2014

Sê a viagem



Não me venha contar o que já sei,
Sentar ao meu lado na poltrona
Enquanto a vida nos passa por cima
Traz bagagem, sê a viagem,
Ou então, a porta está aberta

Não olhes a minha tristeza
Com esta vaga indecisão
Tenho monstros embaixo da cama
Que insistentes, me puxam os pés
Agarra as minhas mãos - ou as deles
Só não sejas espectadora

A certeza já pouco me interessa,
Me importa mais o desconhecido
Vem comigo aonde nunca estive,
Me beija de um jeito diferente,
E me diz tudo o que não espero
Ou então, é melhor que não venhas

Mateus Medina
07/03/2014

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Os lábios dela

(Imagem dos lábios dela)


Há qualquer coisa nos lábios dela
Que ainda hoje não sei como explicar
Um poder, uma dádiva, uma vela
Que me incendeia num simples roçar

Nos lábios dela, navego sem pudor
Entre linhas de imensurável beleza
Consumido pela insensatez do amor
Creio ser os lábios dela fortaleza

Terão os lábios dela um feitiço?
Uma reza, encanto ou magia?
Pois aos meus, cabe um único ofício:
Os lábios dela, beijar; todo dia
 
Mateus Medina
14/02/2014


sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Força

Imagem por Claudia Regina (flickr.com/claudiaregina_cc)

Junto à força que tudo empurra, 
A paciência simplesmente observa
Banhada por respingos sonolentos,
Espalhados em violenta queda

Pendurados nos galhos, nas alturas
São frágeis e solitários; os pingos
Pacientes, esperam com bravura
O mergulho no infinito; outro ciclo

Mistérios mudos, impenetráveis
Desenham harmonias improváveis
Dura um, dura o outro, na dureza
Sutileza e violência, todo dia
Convivem, dançam, fazem festa
No âmago da natural poesia

Mateus Medina
31/01/2014