segunda-feira, 29 de abril de 2013

O Verso

O verso me arrasta, me desgasta
Sobrepõe-se à minha vontade
Sobrevive a qualquer escombro
Grita, mesmo quando calo,
Anda, mesmo quando paro
O verso tem vida própria

Me obriga a vomita-lo, escreve-lo
Ainda que tenha as mãos feridas
Cansada, a boca pronuncia
A chegada do verso ditador
Dita a dor, a alegria, pouco importa
O verso não respeita nada

E mesmo quando nada digo
O verso se exibe por prazer
Pelo amor que nutre por si próprio
Ele se veste, se mostra e sorri
Cínico, excêntrico, desonesto
O verso nasce do orgulho

Mateus Medina
29/04/2013




terça-feira, 23 de abril de 2013

Hoje não

 Há muito p'ra dizer, mas hoje não
O dia amanheu preguiçoso
Na rede, entre bananeiras
Hoje, me apetece o sossego
Fingir que não passa nada,
Qu'eu não passo em passo errado
Fingir que sou apenas um coitado
Vitma das circunstâncias

Há muito p'ra fazer, mas hoje não
A brisa que me acarinha a face
Me traz a falsa calma (meu desastre)
Sopra frescura para o cárcere
Hoje me limito a acreditar
Que se eu cantar, o amanhã vem diferente

Há estrada a percorrer, mas hoje não
A lua lá no céu faz sua magia
Como boa atriz, me ludibria
Rouba toda minha atenção
Hoje vou fingir que a lua cheia
Será para sempre brilhante
Tiro um livro qualquer da estante
E fica a viagem p'ra amanhã

Mateus Medina
22/04/2013

terça-feira, 16 de abril de 2013

Se quiseres voltar



Rabisco o teu nome no chão
Que é pr'eu não esquecer
Por que partiste tão cedo?
Não é fácil compreender

Vou desenhando teu rosto
Pelas paredes da sala
Pr'a não esquecer teu sorriso
Livrar-me da dor que não cala

A noite faz de mim presa
Da falta que fazes no lar,
Do breu que me vem abraçar

Então, deixo as luzes acesas
Pois se resolveres voltar
Não te quero a tropeçar

Mateus Medina
15/04/2013





segunda-feira, 8 de abril de 2013

Canção perdida



Te escrevi uma canção e guardei
Nunca cheguei a cantar
Dói, dedilhar o violão,
Acordar impossíveis desejos
- Moribundos na beira estrada -
Não é medo, nem nada
É só a vida que cobra o preço
Pela vida que vivemos

É bela - e triste - a canção que escrevi
Tem o teu nome e os teus olhos,
Tua boca entreaberta, a espera
Do último beijo que não demos
Tem flores, pólen e primavera
Tem vinho, sorrisos e desejo
É pena que a pobre seja muda

Assovio baixinho a melodia
Distraído, a caminho da vida
Que escolhi ao deixar de escolher;
Viver sem ti é uma canção perdida

Mateus Medina
08/04/2012

sexta-feira, 5 de abril de 2013

Além do colorido

Portrait of Emy, 1919 (Karl Schmidt-Rottluff)

Parte de mim se espanta,
Enquanto a outra entristece
Escapa um pequeno sorriso?
Não tenho muita certeza

Há quem veja a esperança,
Eu vejo fogo, somente fogo!
E toda a confusão que se segue

Ouço os murmúrios assustados,
Os lamentos dos incapazes
Não é seguro andar pelas ruas
Há olhos postos em cima de nós

Há quem veja o nascer do sol
Eu vejo a morte da lua
Indefesa, pálida, nua

Mateus Medina
05/04/2013




terça-feira, 2 de abril de 2013

Soneto para um senhor desavisado



Sente o fétido ar circundante?
Parado, não chama atenção
Veja, o pseudo caminhante
Anda, sem tirar os pés do chão

Esta nuvem por cima de nós
Não vai embora, não senhor
Cada vez mais negra e feroz
Desaguará, não tarda, o rancor

Não se iluda, senhor, com abrigos
Nenhum nos poderá proteger
Da nossa própria ignorância

Que torna os iguais em inimigos
Exaurindo a essência do ser
Imbecis, ébrios de intolerância

Mateus Medina
02/04/2013