segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Sobre ser autobiográfico...

Há muitos, muitos anos, eu li uma entrevista do Herbert Viana, onde ele falava sobre o processo de composição, entre outras coisas.

Já naquela época, eu escrevia poesia (ou pelo menos, eu chamava aquilo de poesia…), e fiquei muito intrigado com algo que ele disse sobre a qualidade de uma composição.

Ele se referia a letras de músicas, mas na minha perspectiva, o que foi dito aplica-se a qualquer composição artística. Ele disse algo parecido com isso: “Limitar-se a compor canções autobiográficas, diminui a qualidade da obra. Desde o momento que deixei de ser autobiográfico em minhas composições, a qualidade da minha obra melhorou muito”.

Se não foi assim, foi parecido…

Nunca consegui esquecer essa entrevista. Ela me fez ler tudo o que eu havia escrito até ali, e realmente consegui constatar, passados alguns anos, que as minhas obras que vieram a seguir a essa entrevista, possuíam uma qualidade literária muito superior.

Noventa por cento daquilo que escrevo, nasce de uma “cena” imaginada. Um “flash”, que pode ser desencadeado por uma infinidade de situações, desde uma imagem, a uma música, uma frase, um olhar… a partir daí, eu invento uma sequência, um passado, um presente, um futuro… e assim nascem a maioria das minhas poesias. Eu deveria ter tido vergonha na cara e ter sido cineasta, mas isso é outra história…

Eu não preciso matar alguém para escrever sobre assassinato. Não preciso roubar para escrever sobre roubo. Não preciso estuprar para escrever sobre estupro. Tudo isso está aí, pelo mundo, nos rodeando. É só “pegar” e poetizar. Simples como isso.

No lado oposto disso, nada nos diz que quando estamos tristes, temos que escrever sobre tristeza. Que se estamos alegres, devemos escrever sobre alegria. Se estamos com raiva, precisamos escrever raivosamente... eu sempre exercitei o contrário, inclusive.

O caminho mais fácil é pegar aquilo que está ali "à mão" e jogar num "papel". Mas não é esse o caminho mais artístico, que busca explorar a infinidade de sentimentos, sensações e possibilidades. Novamente, Herbert Viana entra com a sua lição: Não se limite a escrever sobre o que sente.

Como a intenção desse blog é divulgar a minha arte, ainda que seja só para os amigos e conhecidos, dando uma "zapeada" nele, percebi que precisava reler mentalmente aquela entrevista, e me lembrar que o mundo não gira ao meu redor. Ninguém deve se crer tão importante ao ponto de fazer de si mesmo uma obra de arte. Se algum dia, você for importante a esse nível, alguém escreverá uma obra de arte sobre você…

So, let's move on!

4 comentários:

  1. ADOREI a reflexão!!!
    não consigo ser muito artista ao escrever. não sei escrever poesia, e a única narrativa que escrevi que não tem aver COMIGO, não publiquei no blog pq quero registra-la direitinho na biblioteca nacional. Mas fora isso, não sei escrever narrativas. gosto de escrever dissertação/ argumentação sobre algum assunto de interesse.
    e atualmente tenho postado muitas piadas, pq tenho tido preguiça de escrever... hehe... uma hora volto ao normal.
    adorei especialmente isso aqui que vc escreveu:
    "Ninguém deve se crer tão importante ao ponto de fazer de si mesmo uma obra de arte. Se algum dia, você for importante a esse nível, alguém escreverá uma obra de arte sobre você…"
    beijos

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  2. Obrigado, Valéria =)

    Tudo depende do propósito, né? É essa a questão... se eu me proponho a fazer arte, convém ter vergonha na cara :P

    Como você sabe, eu acompanho o seu blog e outros blogs mais "pessoais" e adoro. Eu curto ler reflexões mais diretas e menos "floreados". Acho importante e tô sempre aprendendo alguma coisa, ou até "sugando" uma inspiração ;)

    bjos

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  3. Que reflexão interessante!

    Acho que concordo, sabe... Quando conseguimos deixar de ser autobiográficos é porque temos a capacidade de empatia, de transcender, de fazer arte além das nossas próprias questões.

    Mas ainda acho que a matéria prima disso tudo somos nós, nossos sentimentos e vivências. Tudo transformado, tornando-se generalizado o suficiente para atingir e fazer sentido para outros que não sejam apenas nós... Pensando aqui... rs

    Bjos!

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  4. E eu concordo com você, Pri.

    A isenção completa é uma utopia.

    A matéria-prima é mesmo quem escreve. A visão de quem escreve, o "toque" de quem escreve, não tem pra onde correr.

    A grande questão é "dissimular" isso de uma maneira eficiente e artística, e eu percebi que não vinha conseguindo fazer isso ultimamente, o que eu considero um ultraje a arte.

    Sempre vai haver algo de mim no que escrevo, mas que esse algo seja apenas a minha "marca", o meu "toque", e não a minha história "pura e dura", porque aí, SEGUNDO A MINHA PROPOSTA, estarei percorrendo caminhos errados.

    É como disse a Valéria, é tudo uma questão de proposta... o seu blog por exemplo, não é pra fazer média, você sabe, eu ADORO. Amplia demais os meus horizontes, me "puxa a orelha" muitas vezes, me trás inspiração para criar... enfim, e é um blog pessoal, no estrito sendo da palavra, e não deixa de ser ótimo, porque está completamente dentro da proposta.

    É só que se eu me proponho a fazer arte, tenho obrigação de não confundir as bolas, há um espaço mais pessoal nesse blog, que é o de reflexões, e por que será que o uso tão pouco? rsrsrsrs

    bjos =)

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