sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

A Ampulheta



César levava o mundo embrulhado na mochila.

A passos lentos aproximou-se da cadeira do pai. Viu seus ralos cabelos brancos espalhados aqui e ali, com uma enorme cratera no meio. Passou uma mão pela própria cabeça, pensando que jamais teria um filho para rir da sua calvice, como ria da do pai. Na outra, apertava a ampulheta em forma de papel, escorrendo areia pela sentença que se podia ler no fim: "Positivo"

Como sempre, antes de seguir para escola, afagou a meia dúzia de fios brancos e rebeldes na cabeça do seu velho, para em seguida dar um tapa de leve, bem no meio da cratera, ao qual seguia-se um beijo. Roubou da terra todo ar que conseguiu, vestiu seu melhor sorriso e atravessou a sala, parando em frente a porta. Virou-se, encontrando o pai como sempre: debruçado sobre o jornal, olhos apertados, pescando as letras que lhe teimavam em fugir.

Deixou que a ampulheta amarrotada deslizasse para o chão, enquanto um pingo salgado lhe invadia a boca e disse:

─ Pai, tô indo embora.

─ O quê?

─ Tô indo embora!

─ Tranca o portão quando sair.

Mateus Medina
03/01/2013

9 comentários:

  1. Cruzam-se sentimentos de ternura e de abandono que deixam um travo de amargura na boca.
    O mundo para conquistar... E o tempo na sua
    cavalgada a quebrar laços ao mais leve soprar do vento.

    Um beijo

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  2. rsrsrs... era o que minha mãe teria dito!

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  3. Tão triste a ampulheta e o verdito "positivo"...

    De doer a alma.
    Tenho adorado suas passagens pelos meus cantinhos.
    Amo seus comentários e seu entendimento dos meus versos. Amo ainda o bom humor com que lê minhas crônicas. Essa empatia é impagável.

    Adorei ser sua "A poesia é". falamos a mesma coisa de jeitos diferentes.

    Feliz.
    Bjs

    Rossana

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  4. Na ampulheta da vida, a areia não escorre como nós queremos...
    Bjus e boa semana!

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  5. Gostei!!! Vc escreve bem contos/ crônicas, ja eu sou uma catástrofe ..kkkkk:ppp

    Agora, tenho novidade...o registro da minha composição saiu....e so estava esperando isso para postar no blog...;)) ja esta lá,

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  6. Você escreve crônicas realmente muito bem!
    Texto bem direto, adorei!

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  7. Muitas vezes a vida impõe essa despedida. O que não sabemos é que, nem sempre, trilharemos caminhos diversos daqueles dos quais fugimos. Bjs.

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